quinta-feira, 29 de outubro de 2015

sobre nascimentos e renascimentos

Trinta e um de dezembro. Fim de tarde. Luz amena. À beira da Lagoa ela pedia carona. Não costumo dar caronas, mas naquele dia parei.

- Oi. Tudo bem? Entra. Para onde vais?

- Minha filha está parindo. Podes me levar até o HU?

- Posso sim. Fica tranquila. Vamos até lá.

Fizemos o trajeto todo em silêncio, não perguntei seu nome, nem ela o meu, mas nos reconhecíamos amigas desde há muito tempo. E o tempo estava ali. Um tempo imemoriável, um tempo sólido de um pretérito não vivido, mas sabido.

Esqueci que dia era, esqueci os compromissos familiares, esqueci o trânsito caótico da data. O bebê nasceu. Era uma menina. Maria. Parabenizei a mãe, dei boas vindas à criança, abracei forte a avó. Os foguetes logo me fizeram lembrar que eu precisava seguir. Despedimo-nos.

O ano novo começou. E passou. Com as habituais alegrias e tristezas que compõem a vida.

No ano seguinte, na mesma data, sem prévia combinação, tornamos a nos encontrar na beira de um rio sereno, margeado de flores brancas. E era tamanha a obviedade daquele encontro que não nos perguntamos nada, apenas nos abraçamos. Eu com minha família, ela com a dela.

- Esta é Maria? Que linda está! Posso segurá-la um pouco?

Tomei a menina nos braços. Minha mãe aproximou-se caminhando lentamente e falou com voz suave:

- Agora eu entendi o teu jeito de ver a vida.

- O meu jeito de ver a vida? E como é meu jeito de ver a vida, que nem eu sei?


- Pega aquela flor ali que entenderás. – e continuou o caminhar.

(Bianca Velloso)

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